Cânones de Dort
Padrão doutrinário adotado pelo Sínodo de Dort em 1618-1619.
Primeiro capítulo da doutrina: A eleição e a reprovação divinas
Artigo 01: Toda a humanidade é condenável diante de Deus
Como todos os homens pecaram em Adão [1], estão debaixo da maldição e merecem a morte eterna, Deus não teria feito injustiça a ninguém se tivesse resolvido deixar toda a raça humana no pecado e debaixo da maldição, e condená-la por causa do seu pecado, de acordo com estas palavras do apóstolo: “para que se cale toda boca, e todo o mundo seja culpável perante Deus [...] pois todos pecaram e carecem da glória de Deus” (Rm 3.19, 23) e “o salário do pecado é a morte” (Rm 6.23).
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[1] Rm 5.12.
Artigo 2: O envio do Filho de Deus
Mas nisso se manifestou o amor de Deus [1], em que ele enviou ao mundo o seu Filho unigênito, “para que todo aquele que nele crê não pereça, mas tenha a vida eterna” (Jo 3.16).
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[1] 1Jo 4.9.
Artigo 3: A pregação do evangelho
Assim, para que os homens sejam conduzidos à fé, Deus misericordiosamente enviou arautos da mais bem-aventurada mensagem a quem ele quer e quando ele quer [1]. Pelo ministério deles os homens são chamados ao arrependimento e à fé no Cristo crucificado [2]. Pois, “Como, porém, invocarão Aquele em quem não creram? E como crerão naquele de quem nada ouviram? E como ouvirão, se não há quem pregue? E como pregarão, se não forem enviados?” (Rm 10.14, 15).
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[1] Is 52.7; [2] 1Co 1.23, 24.
Artigo 4: Um duplo resultado
A ira de Deus permanece sobre os que não crêem neste evangelho [1]. Mas aqueles que o recebem e abraçam a Jesus o salvador com uma fé verdadeira e viva são libertados por ele da ira de Deus e da destruição, e presenteados com a vida eterna [2].
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[1] Jo 3.36; [2] Mc 16.16; Rm 10.9.
Artigo 5: A causa da incredulidade e a fonte da fé
A causa ou a culpa dessa incredulidade, assim como a de todos os outros pecados, não está em Deus de modo nenhum, mas antes, no homem [1]. No entanto, a fé em Jesus Cristo e a salvação através dele é a livre dádiva de Deus, como está escrito: “Porque pela graça sois salvos, mediante a fé; e isto não vem de vós; é dom de Deus” (Ef 2.8). Semelhantemente, “Porque vos foi concedida a graça ... de crerdes nele” (Fp 1.29).
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[1] Hb 4.6.
Artigo 6: O decreto eterno de Deus
Procede do decreto eterno de Deus conceder, no tempo devido, o dom da fé a alguns e não a outros [1]. Pois ele conhece todas as suas obras desde a eternidade [2], e “faz todas as coisas conforme o conselho da sua vontade” (Ef 1.11). De acordo com este decreto, ele graciosamente quebranta os corações dos eleitos, por mais duros que sejam, e os inclina a crer; entretanto, segundo o seu justo juízo, ele deixa os não-eleitos em sua própria malignidade e dureza. E aqui, especialmente, nos é revelada a profunda, misericordiosa e ao mesmo tempo justa distinção entre homens igualmente merecedores de condenação, que é o decreto da eleição e da reprovação, revelado na Palavra de Deus. Embora os homens perversos, impuros e volúveis o distorçam para a própria destruição deles, esse mesmo decreto proporciona consolação indizível às almas santas e tementes a Deus.
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[1] At 13.48; [2] 1Pe 2.8.
Artigo 7: Definição da eleição
A eleição é o propósito imutável de Deus pelo qual ele, antes da fundação do mundo [1], segundo o soberano beneplácito da sua vontade e por pura graça, escolheu para a salvação em Cristo — de entre toda a raça humana, caída pela própria culpa do estado original de integridade no pecado e na perdição — um número definido de pessoas específicas, em nada melhores nem mais dignas que as outras, porém envolvidas na mesma miséria dos demais. Também desde a eternidade, ele constituiu a Cristo como o mediador e o cabeça de todos os eleitos e o fundamento da salvação. Assim, decretou dar a Cristo os que haveriam de ser salvos e chamá-los e trazê-los eficazmente à sua comunhão pela sua Palavra e Espírito. Ele decretou conceder-lhes a fé verdadeira em Cristo, os justificar, os santificar e por fim — depois de os ter preservado poderosamente na comunhão do seu Filho [2] — os glorificar, para a demonstração da sua misericórdia e o louvor da riqueza da sua graça gloriosa [3]. Como está escrito: Deus nos escolheu em Cristo “antes da fundação do mundo, para sermos santos e irrepreensíveis perante ele; e em amor nos predestinou para ele, para a adoção de filhos, por meio de Jesus Cristo, segundo o beneplácito de sua vontade, para louvor da glória de sua graça, que ele nos concedeu gratuitamente no amado” (Ef 1.4-6). E em outro lugar: “E aos que predestinou, a esses também chamou; e aos que chamou, a esses também justificou; e aos que justificou, a esses também glorificou” (Rm 8.30) [4].
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[1] Ef 1.4, 11; Jo 17.2; [2] Jo 17.12; 1Co 1.9; [3] Jo 17.24; 6.37, 44; [4] Jo 17.2.
Artigo 8: Um único decreto de eleição
Não há vários decretos de eleição, mas um único e mesmo decreto para todos os que hão de ser salvos, tanto debaixo do Velho quanto do Novo Testamento. Porque a Escritura declara que o beneplácito, o propósito e o conselho da vontade de Deus é único [1]. Segundo este propósito ele nos escolheu desde a eternidade tanto para a graça quanto para a glória, tanto para a salvação como para o caminho da salvação — o qual preparou para que andássemos nele [2].
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[1] Dt 7.7; 9.6; Ef 1.4, 5; [2] Ef 2.10.
Artigo 9: A eleição não se baseia em fé prevista
Tal eleição não se baseia em fé prevista, em obediência da fé, santidade ou de qualquer outra boa qualidade ou disposição que seja a causa ou a condição necessária aos homens para serem eleitos; os homens, todavia, são eleitos para a fé, para a obediência da fé, para a santidade etc. A eleição é, portanto, a fonte de todas as virtudes salvadoras de onde emana a fé, a santidade e os outros dons salvadores, e por fim a própria vida eterna, como frutos e efeitos da eleição [1]. É isso o que o apóstolo ensina quando diz: “assim como nos escolheu nele antes da fundação do mundo, (não porque fôssemos santos, mas) para sermos santos e irrepreensíveis perante ele” (Ef 1.4).
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[1] Rm 8.30.
Artigo 10: A eleição baseia-se no beneplácito de Deus
A causa dessa eleição graciosa é tão-somente o beneplácito de Deus [1], o qual não consiste de haver Deus escolhido de entre todas as condições possíveis umas certas qualidades ou ações dos homens como requisito para a salvação; mas consiste em que Ele, de entre a multidão dos pecadores, adotou para sua possessão certas pessoas. Pois está escrito: “ainda não eram os gêmeos nascidos, nem tinham praticado o bem ou o mal [...] (Rm 9.11-13) e já fora dito a ela [a Rebeca]: O mais velho será servo do mais moço” (Gn 25.23). E também: “todavia, amei a Jacó, porém aborreci a Esaú” (Mq 1.2, 3). E ainda: “e creram todos os que haviam sido destinados para a vida eterna” (At 13.48).
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[1] Ef 1.5.
Artigo 11: A eleição é imutável
Como o próprio Deus é infinitamente sábio, imutável, onisciente e onipotente, assim também a sua eleição não pode ser desfeita, refeita, alterada, revogada nem anulada; tampouco podem os eleitos ser rejeitados [1], nem o número deles diminuído [2].
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[1] Jo 6.37; [2] Jo 10.28.
Artigo 12: A certeza da eleição
Os eleitos recebem no tempo oportuno — ainda que em vários graus e diferentes modos — a certeza da sua eterna e imutável eleição para a salvação. Eles, todavia, não a obtêm quando curiosamente investigam as coisas ocultas e profundas de Deus [1], mas quando observam em si mesmos [2], com alegria espiritual e santo deleite, os infalíveis frutos da eleição indicados na Palavra de Deus — como a fé verdadeira em Cristo, o temor filial a Deus, a piedosa tristeza pelos seus pecados [3], e a fome e a sede de justiça [4].
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[1] Dt 29.29; 1Co 2.10, 11; [2] 2Co 13.5; [3] 2Co 7.10; [4] Mt 5.6.
Artigo 13: O valor desta certeza
A consciência e a certeza da eleição fornecem aos filhos de Deus maior motivo para se humilharem diariamente diante dele [1], para adorarem a profundidade das suas misericórdias, para se purificarem e para amarem fervorosamente àquele que os amou primeiro de modo tão grandioso [2]. Contudo, absolutamente não é verdade que a doutrina da eleição e o meditar nela os façam relaxar na observação dos mandamentos de Deus ou os rendam falsamente seguros. No justo juízo de Deus isso normalmente ocorre aos que supõem atrevidamente ter a graça da eleição, ou que dela falam de modo leviano e jactancioso, mas que se recusam a andar nos caminhos dos eleitos.
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[1] 1Jo 3.3; [2] 1Jo 4.19.
Artigo 14: Como se deve ensinar a eleição
A doutrina da eleição divina, segundo o mui sábio conselho de Deus, foi pregada pelos profetas, pelo próprio Cristo e pelos apóstolos, tanto debaixo do Velho Testamento quanto do Novo Testamento, sendo então registrada por escrito nas Sagradas Escrituras. Assim, também hoje, essa doutrina deve ser ensinada na igreja de Deus [1] — para qual ela foi particularmente destinada — em tempo e lugar apropriados, com espírito criterioso, de modo reverente e santo, sem curiosa investigação nos caminhos do Altíssimo, para a glória do santíssimo nome de Deus, e para a viva consolação do seu povo [2].
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[1] At 20.27; Jó 36.23-26; [2] Rm 11.33; 12.3; 1Co 4.6.
Artigo 15: A descrição da reprovação
As Sagradas Escrituras mostram e nos recomendam esta graça eterna e imerecida da nossa eleição, especialmente quando além disso declara que nem todos os homens são eleitos, mas que alguns não são eleitos, ou foram preteridos na eleição eterna de Deus [1]. Deus, pelo seu beneplácito mui soberano, justo, irrepreensível e imutável, decretou deixá-los na miséria comum em que eles se lançaram por sua própria culpa [2] e não lhes concedeu a fé salvadora, nem a graça da conversão. Para mostrar a sua justiça, Deus os deixou em seus próprios caminhos [3] e debaixo do seu justo juízo, decretando, por fim, os condenar e punir eternamente, não apenas pela incredulidade deles, mas também por causa de todos os seus outros pecados. Este é o decreto da reprovação, o qual não faz de Deus o autor do pecado (o só pensar isso é blasfêmia), antes o revela como o terrível, irrepreensível e justo juiz e vingador do pecado.
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[1] Rm 9.22; [2] 1Pe 2.8; [3] At 14.16.
Artigo 16: Como reagir à doutrina da reprovação
Alguns não ainda discernem claramente em si mesmos uma fé viva em Cristo [1], nem confiança firme no coração, nem boa consciência, nem zelo pela obediência filial e pela glorificação de Deus por meio de Cristo [2]. Apesar disso, eles usam os meios pelos quais Deus prometeu operar tais coisas em nós. Eles não devem se assustar quando se fala da reprovação, nem devem se incluir entre os reprovados. Pelo contrário, devem continuar a usar esses meios com diligência, a almejar com fervor um tempo de graça mais abundante e a esperá-lo com reverência e humildade. Há também outros que desejam se converter a Deus com seriedade, tão somente para o agradar e para serem libertos do corpo da morte [3], contudo não conseguem chegar até onde gostariam no caminho da piedade e da fé. Essas pessoas não deveriam ter tanto medo da doutrina da reprovação, pois Deus, que é misericordioso, prometeu que não esmagará a cana quebrada e não apagará o pavio que fumega [4]. Há ainda outros que desprezam a Deus e ao Senhor Jesus Cristo e que se entregam completamente aos cuidados do mundo e às concupiscências da carne [5]. Para esses, a doutrina da reprovação é mesmo apavorante, pois não se voltam para Deus com seriedade [6].
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[1] Tg 2.26; [2] 2Co 1.12; Rm 5.11; [3] Fp 3.3; Rm 7.24; [4] Is 42.3; Mt 12.20; [5] Mt 13.22; [6] Hb 12.29.
Artigo 17: Os filhos de crentes que morrem na infância
Devemos julgar a respeito da vontade de Deus com base na sua Palavra, que declara que os filhos dos crentes são santos, não por natureza, mas em virtude da aliança da graça do qual participam juntamente com os seus pais [1]. Por essa causa, pais tementes a Deus não devem duvidar da eleição e da salvação daqueles seus filhos a quem Deus chamou desta vida ainda na infância [2].
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[1] Gn 17.7; Is 59.21; [2] At 2.39; 1Co 7.14.
Artigo 18: Não protesto, mas sim adoração
Aos que se queixam da graça da eleição imerecida e da severidade da reprovação justa [1], replicamos com as palavras do apóstolo: “Quem és tu, ó homem, para discutires com Deus?!” (Rm 9.20), e com essas palavras do nosso salvador: “Porventura, não me é lícito fazer o que quero do que é meu?” (Mt 20.15). Nós, porém, adorando com reverência estes mistérios, exclamamos com o apóstolo: “Ó profundidade da riqueza, tanto da sabedoria como do conhecimento de Deus! Quão insondáveis são os seus juízos, e quão inescrutáveis, os seus caminhos! Quem, pois, conheceu a mente do Senhor? Ou quem foi o seu conselheiro? Ou quem primeiro deu a ele para que lhe venha a ser restituído? Porque dele, e por meio dele, e para ele são todas as coisas. A ele, pois, a glória eternamente. Amém!” (Rm 11.33-36).
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[1] Jó 40.1-5.
Rejeição de erros
Depois de haver explanado a verdadeira doutrina da eleição e da reprovação, o Sínodo condena e rejeita os seguintes erros:
Erro 1: O completo e total decreto da eleição para a salvação é a vontade de Deus de salvar aos que irão crer e perseverar na fé e na obediência. Quanto a esse decreto, nada mais que isso foi revelado pela Palavra de Deus.
Refutação: Este erro é um engano e contradiz claramente a Escritura que declara não somente que Deus irá salvar aos que crêem mas também que Ele, desde a eternidade, escolheu pessoas específicas. No tempo oportuno ele concede a esses eleitos, em detrimento de outros, a fé em Cristo e a perseverança. “Manifestei o teu nome aos homens que me deste do mundo” (Jo 17.6). “E creram todos os que haviam sido destinados para a vida eterna” (At 13.48). “assim como nos escolheu nele antes da fundação do mundo, para sermos santos e irrepreensíveis perante ele; e em amor” (Ef 1.4).
Erro 2: Há vários tipos de eleição divina para a vida eterna. Uma é geral e indefinida, a outra é específica e definida. Esta última, por sua vez, pode ser: incompleta, revogável, duvidosa e condicional, ou então: completa, irrevogável, cabal e absoluta. Da mesma maneira que há uma eleição para a fé e, uma outra para a salvação. Assim, a eleição pode ser para a fé justificadora sem contudo ser definitiva para a salvação.
Refutação: Tudo isso é invenção da mente humana sem nenhuma base na Escritura. Isso corrompe a doutrina da eleição e rompe a corrente de ouro da nossa salvação: “E aos que predestinou, a esses também chamou; e aos que chamou, a esses também justificou; e aos que justificou, a esses também glorificou” (Rm 8.30).
Erro 3: O beneplácito e o propósito de Deus do qual a Escritura fala na doutrina da eleição não é que ele escolheu especificamente algumas pessoas e outras não, mas que de entre todas as condições possíveis (assim como as obras da lei) ele escolheu e selecionou o ato de fé — que não tem nenhum mérito em si mesmo — e também a imperfeita obediência da fé, para que fossem condição de salvação. Em sua graça ele quis considerar essa fé como obediência perfeita e digna da recompensa da vida eterna.
Refutação: Este erro ofensivo rouba toda a eficácia do beneplácito de Deus e dos méritos de Cristo, empurra as pessoas para longe da verdade da justificação pela graça e da simplicidade da Escritura; além de contradizer a palavra do apóstolo: “[Deus] nos salvou e nos chamou com santa vocação; não segundo as nossas obras, mas conforme a sua própria determinação e graça que nos foi dada em Cristo Jesus, antes dos tempos eternos” (2Tm 1.9).
Erro 4: A eleição para a fé depende das seguintes condições: o homem deve fazer uso da luz da natureza do modo apropriado, deve ser piedoso, humilde, manso e qualificado para a vida eterna.
Refutação: Se isso fosse verdade a eleição dependeria do homem. Isso assemelha-se ao ensinamento de Pelágio e choca-se diretamente com ensinamento do apóstolo em Efésios 2.3-9: “entre os quais também todos nós andamos outrora, segundo as inclinações da nossa carne, fazendo a vontade da carne e dos pensamentos; e éramos, por natureza, filhos da ira, como também os demais. Mas Deus, sendo rico em misericórdia, por causa do grande amor com que nos amou, e estando nós mortos em nossos delitos, nos deu vida juntamente com Cristo, — pela graça sois salvos, e, juntamente com ele, nos ressuscitou, e nos fez assentar nos lugares celestiais em Cristo Jesus; para mostrar, nos séculos vindouros, a suprema riqueza da sua graça, em bondade para conosco, em Cristo Jesus. Porque pela graça sois salvos, mediante a fé; e isto não vem de vós; é dom de Deus; não de obras, para que ninguém se glorie”.
Erro 5: A eleição incompleta e não-definitiva de pessoas específicas para a salvação dá-se com base na presciência da fé, da conversão, da santidade, da piedade que começaram ou existiram por algum tempo. A eleição completa e definitiva, no entanto, ocorreu por causa da presciência da perseverança na fé, da conversão, da santidade e da piedade até o fim. Esse é o mérito gracioso e evangélico pelo que o eleito é mais digno do que o não eleito. Por isso, a fé, a obediência da fé, a santidade, a piedade e a perseverança não são frutos da imutável eleição para a glória. Antes, são as condições e as causas necessárias requeridas e sabidas de antemão como concretizadas naqueles que serão eleitos integralmente.
Refutação: Este erro milita contra toda a Escritura, que constantemente nos incute o seguinte: A Eleição é motivada “não por obras, mas por aquele que chama” (Rm 9.11); “e creram todos os que haviam sido destinados para a vida eterna” (At 13.48); “assim como nos escolheu nele antes da fundação do mundo, para sermos santos e irrepreensíveis perante Ele” (Ef 1.4); “Não fostes vós que me escolhestes a mim; pelo contrário, eu vos escolhi a vós outros” (Jo 15.16). “se é pela graça, já não é pelas obras; do contrário, a graça já não é graça” (Rm 11.6); “Nisto consiste o amor: não em que nós tenhamos amado a Deus, mas em que ele nos amou e enviou o seu Filho como propiciação pelos nossos pecados” (1Jo 4.10).
Erro 6: Nem toda eleição para a salvação é imutável. Alguns dos eleitos podem e até mesmo perecem eternamente a despeito de qualquer decreto de Deus.
Refutação: Este erro grosseiro torna Deus mutável, destrói a consolação que os crentes têm na firmeza da sua eleição e contradiz a Sagrada Escritura: O eleito não pode ser desviado, Mateus 24.24; “E a vontade de quem me enviou é esta: que nenhum eu perca de todos os que me deu” (Jo 6.39). “E aos que predestinou, a esses também chamou; e aos que chamou, a esses também justificou; e aos que justificou, a esses também glorificou” (Rm 8.30).
Erro 7: Nesta vida não há fruto, consciência ou certeza da imutável eleição para a glória, exceto a que se baseia numa condição mutável e incerta.
Refutação: Falar de uma certeza incerta não é apenas absurdo mas é também contrário à experiência dos crentes. Sendo conscientes da sua eleição, eles se gloriam com os apóstolos nesse favor de Deus (Ef 1); eles se regozijem com os discípulos de Cristo, por terem os seus nomes escritos no céu (Lc 10.20); e eles levantem a consciência da eleição contra os dardos inflamados do maligno, quando exclamam: “Quem intentará acusação contra os eleitos de Deus? É Deus quem os justifica” (Rm 8.33).
Erro 8: Deus não decidiu, simplesmente com base em sua justa vontade, deixar nenhuma pessoa na queda de Adão e no estado comum de pecado e condenação, nem decidiu preterir ninguém na concessão da graça necessária para fé e conversão.
Refutação: A Escritura, no entanto, declara: “tem ele misericórdia de quem quer e também endurece a quem Lhe apraz” (Rm 9.18). Afirma também: “a vós outros é dado conhecer os mistérios do reino dos céus, mas àqueles não lhes é isso concedido” (Mt 13.11). E ainda: “Graças te dou, ó Pai, Senhor do céu e da terra, porque ocultaste estas coisas aos sábios e instruídos e as revelaste aos pequeninos. Sim, ó Pai, porque assim foi do teu agrado” (Mt 11.25, 26).
Erro 9: Deus envia o evangelho a um povo mais que a um outro, não meramente e somente por causa do bom propósito de sua vontade, mas por ser este melhor e mais digno que o outro, ao qual o evangelho não é comunicado.
Refutação: Moisés nega isso quando fala ao povo de Israel, como se vê a seguir: “Eis que os céus e os céus dos céus são do Senhor, teu Deus, a terra e tudo o que nela há. Tão-somente o Senhor se afeiçoou a teus pais para os amar; a vós outros, descendentes deles, escolheu de todos os povos, como hoje se vê” (Dt 10.14, 15). E Cristo diz: “Ai de ti, Corazim! Ai de ti, Betsaida! Porque, se em Tiro e em Sidom se tivessem operado os milagres que em vós se fizeram, há muito que elas se teriam arrependido com pano de saco e cinza” (Mt 11.21).
Segundo capítulo da doutrina: A morte de Cristo e a redenção do homem através dela
Artigo 1: O castigo que a justiça de Deus exige
Deus não é apenas supremamente misericordioso, mas também é supremamente justo. E conforme ele mesmo revelou em sua Palavra [1], a sua justiça exige que os nossos pecados, cometidos contra a sua infinita majestade, sejam castigados [2] não apenas nesta era, mas também na era porvir, tanto no corpo quanto na alma. Não podemos escapar desse castigo se a justiça de Deus não for satisfeita.
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[1] Êx 34.6, 7; [2] Rm 5.16; Gl 3.10.
Artigo 2: A satisfação cumprida por Cristo
Nós, contudo, não podemos cumprir essa satisfação e nos livrar por nós mesmos da ira de Deus. Por isso Deus, em sua infinita misericórdia nos deu o seu filho unigênito como o nosso fiador [1]. Por nós ou em nosso lugar ele foi feito pecado [2] e maldito na cruz [3] para que pudesse, em nosso favor, satisfazer a Deus.
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[1] Jo 3.16; Rm 5.8; [2] 2Co 5.21; [3] Gl 3.13.
Artigo 3: O valor infinito da morte de Cristo
A morte do Filho de Deus é o único e o mais perfeito sacrifício e satisfação pelos pecados [1]; tem valor e mérito infinitos; é abundante o suficiente para expiar os pecados do mundo inteiro [2].
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[1] Hb 9.26, 28; 10.14; [2] 1Jo 2.2.
Artigo 4: Por que a sua morte tem valor infinito
A morte do Filho de Deus tem tão grande valor e mérito porque aquele que se submeteu a ela não é apenas o homem perfeito e verdadeiro [1], mas é também o filho unigênito de Deus [2], da mesma essência eterna e infinita com o Pai e o Espírito Santo. O nosso salvador tinha que ter tais qualificações. Além disso, essa morte tem tão grande valor e mérito porque foi acompanhada da consciência da ira e da maldição de Deus [3] que, pelos nossos pecados, somos merecedores.
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[1] Hb 4.15; 7.26; [2] 1Jo 4.9; [3] Mt 27.46.
Artigo 5: A proclamação universal do evangelho
A promessa do evangelho é que todo aquele que crer em Cristo crucificado não perecerá, mas tem a vida eterna [1]. Esta promessa deve ser anunciada e proclamada universalmente sem nenhuma discriminação a todos os povos e homens [2], aos quais Deus em seu beneplácito envia o evangelho juntamente com o mandamento de que se arrependam e creiam [3].
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[1] Jo 3.16; [2] 1Co 1.23; Mt 28.19; [3] At 2.38; 16.31.
Artigo 6: Por que alguns não crêem
No entanto, muitos dos que foram chamados pelo evangelho não se arrependem nem crêem em Cristo mas perecem na incredulidade [1]. Isso não decorre por haver algum defeito ou insuficiência no sacrifício de Cristo na cruz, mas pela própria culpa deles.
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[1] Mt 22.14; Sl 95.11; Hb 4.6.
Artigo 7: Por que outros crêem
Mas aqueles que verdadeiramente crêem e pela morte de Cristo são libertos e salvos dos seus pecados e da perdição, recebem esse benefício apenas por causa da graça de Deus que lhes é dada em Cristo, desde a eternidade [1]. Deus não deve tal graça a ninguém [2].
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[1] 2Co 5.18; [2] Ef 2.8, 9.
Artigo 8: A eficácia da morte de Cristo
Pois este foi o soberano conselho de Deus o Pai que a eficácia salvadora e vivificante da preciosíssima morte do seu Filho se estendesse a todos os eleitos [1]. Foi da sua graciosíssima vontade e intento conceder a fé justificadora apenas a eles e assim trazer-lhes infalivelmente a salvação [2]. Isto é: Quis Deus que Cristo pelo sangue da cruz (pelo qual ele confirmou a nova aliança) [3] redimisse eficazmente de todo povo, tribo, nação e língua [4] todos aqueles — e somente aqueles — que desde a eternidade foram eleitos para a salvação e lhe foram dados pelo Pai. Ainda quis Deus que Cristo lhes desse a fé [5], a qual, juntamente com outros dons salvadores do Espírito Santo, ele lhes adquiriu pela sua morte, para que pelo seu sangue pudesse purificá-los de todos os seus pecados [6] — tanto do pecado original quanto dos pecados reais cometidos antes e depois da fé — e para os guardar fielmente até o fim [7] e finalmente os apresentar a si mesmo em glória sem nenhuma mácula ou ruga [8].
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[1] Jo 17.9; [2] Ef 5.25-27; Lc 22.20; [3] Hb 8.6; [4] Ap 5.9; [5] Fp 1.2, 9; [6] 1Jo 1.7; [7] Jo 10.28; [8] Ef 5.27.
Artigo 9: O cumprimento do conselho de Deus
Esse conselho, que procede do amor eterno de Deus pelos eleitos, tem sido poderosamente cumprido desde a fundação do mundo até o momento presente, e continuará ainda a ser cumprido, ainda que as “portas do inferno” tentem frustrá-lo inutilmente [1]. No tempo oportuno os eleitos serão ajuntados [2] em uma união, e sempre existirá uma igreja de crentes [3] fundada no sangue de Cristo. Essa igreja amá-lo-á firmemente e servi-lo-á fielmente como seu salvador (o qual como noivo derramou a sua vida na cruz pela sua noiva) [4] e celebrará os seus louvores aqui e por toda a eternidade.
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[1] Mt 16.18; [2] Jo 11.52; [3] 1Rs 19.18; [4] Ef 5.25.
Rejeição de erros
Depois de haver explanado a verdadeira doutrina da morte de Cristo e da redenção do homem pela sua morte, o Sínodo condena e rejeita os seguintes erros:
Erro 1: Deus Pai ordenou a morte do seu Filho na cruz sem que houvesse um decreto específico e definitivo para a salvação de ninguém. Aquilo que Cristo adquiriu pela sua morte poderia ser necessário, proveitoso e valioso, e poderia permanecer em todas as suas partes completo, perfeito e intacto, mesmo que a redenção adquirida por ele jamais fosse aplicada a ninguém.
Refutação: Tal doutrina ofende a sabedoria de Deus e aos méritos de Jesus Cristo e é contrária à Escritura. Pois o nosso salvador diz: “dou a minha vida pelas ovelhas ... eu as conheço” (Jo 10.15, 27). E o profeta Isaías, referindo-se ao salvador, diz: “quando der ele a sua alma como oferta pelo pecado, verá a sua posteridade e prolongará os seus dias; e a vontade do Senhor prosperará nas suas mãos” (Is 53.10). Por fim, esse erro contradiz o artigo de fé que se refere à igreja cristã universal.
Erro 2: O propósito da morte de Cristo não foi que ele confirmasse o novo pacto de graça pelo seu sangue, mas tão-somente que adquirisse para o Pai o mero direito de estabelecer uma vez mais com o homem a aliança que Lhe agradasse, fosse ela de graça ou de obras.
Refutação: Isso milita contra a Escritura que ensina que Cristo se tornou o fiador e o mediador de uma superior aliança, isso é, de uma nova aliança; ensina também que um testamento só passa a vigorar com a morte (Hb 7.22, 9:15, 17).
Erro 3: Cristo, por meio da sua satisfação, na verdade não mereceu para ninguém nem a salvação mesma nem a fé pela qual é possível se apropriar eficazmente dessa satisfação de Cristo para a salvação. Ele conquistou para o Pai apenas a autoridade ou a vontade perfeita de tratar novamente com o homem e de prescrever novas condições conforme a sua vontade. Depende, entretanto, do livre arbítrio do homem para preencher estas condições. Seria possível, portanto, que ou nenhum ou todos os homens preenchessem tais condições.
Refutação: Aqueles que ensinam esse erro desprezam a morte de Cristo, não reconhecem de maneira nenhuma o mais importante fruto ou benefício dela, e trazem novamente do inferno o erro pelagiano.
Erro 4: A nova aliança da graça que Deus o Pai fez com homem, pela mediação da morte de Cristo, não consiste em que somos justificados diante de Deus e salvos pela fé, visto que ela aceita o mérito de Cristo. Mas consiste no fato de que Deus revogou a exigência da perfeita obediência à lei e que considera a própria fé e a obediência da fé, embora imperfeitas, como a perfeita obediência à lei e Ele, graciosamente, as considera dignas da recompensa da vida eterna.
Refutação: Essa doutrina contradiz a Escritura: “sendo justificados gratuitamente, por sua graça, mediante a redenção que há em Cristo Jesus, a quem Deus propôs, no seu sangue, como propiciação, mediante a fé” (Rm 3.24, 25). Aqueles que ensinam esse erro proclamam, como fizera o ímpio Socinus, uma nova e estranha justificação do homem diante de Deus, contrário ao consenso de toda a igreja.
Erro 5: Todos os homens foram aceitos no estado de reconciliação e na graça da aliança, de sorte que ninguém está sujeito à condenação nem será condenado por causa do pecado original. Todos estão livres da culpa do pecado original.
Refutação: Essa opinião conflita com a Escritura que ensina que somos, “por natureza, filhos da ira” (Ef 2.3).
Erro 6: Deus, por seu lado, deseja conceder igualmente a todos os benefícios adquiridos pela morte de Cristo. Alguns, no entanto, obtêm o perdão dos pecados e a vida eterna e outros não. Essa distinção depende do próprio livre arbítrio deles, que se associa à graça que é oferecida sem distinção, e não depende do dom especial de misericórdia que neles opera com tanto poder a fim de que eles, ao contrário dos outros, apliquem essa graça a si mesmos.
Refutação: Aqueles que ensinam isso, fazem mal uso da diferença que há entre a aquisição e a aplicação da salvação e confundem as mentes dos imprudentes e inexperientes. Embora simulem apresentar essa distinção de modo correto, procuram infiltrar na mente das pessoas o veneno pernicioso do pelagianismo.
Erro 7: Cristo não podia nem precisava morrer, e não morreu por aqueles a quem Deus amou sobremaneira e a quem elegeu para a vida eterna, pois os tais não necessitavam da sua morte.
Refutação: Essa doutrina contradiz o apóstolo que declara: O “Filho de Deus, que me amou e a si mesmo se entregou por mim” (Gl 2.20). Semelhantemente: Quem intentará acusação contra os eleitos de Deus? É Deus quem os justifica. Quem os condenará? É Cristo Jesus quem morreu” (Rm 8.33, 34), isto é, por eles. E o salvador assim nos assegura: “dou a minha vida pelas ovelhas” (Jo 10.15). E ainda: “O meu mandamento é este: que vos ameis uns aos outros, assim como eu vos amei. Ninguém tem maior amor do que este: de dar alguém a própria vida em favor dos seus amigos” (Jo 15.12, 13).
Terceiro e quarto capítulos da doutrina: A corrupção do homem, a sua conversão a Deus e o modo como isso ocorre
Artigo 1: O resultado da queda
No princípio o homem foi criado à imagem de Deus. Foi adornado em seu entendimento com o verdadeiro e total conhecimento do seu criador e de todas as coisas espirituais. A sua vontade e o seu coração eram retos; todos os seus sentimentos, puros; o homem era, portanto, completamente santo [1]. Mas ao rebelar-se contra Deus pela instigação do diabo e pelo próprio livre-arbítrio, ele se privou desses dons excelentes [2] e em lugar deles trouxe sobre si cegueira, trevas terríveis; vão e perverso juízo em sua mente; malignidade, rebelião e obstinação em sua vontade e coração; além de impureza em todos os seus sentimentos [3].
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[1] Gn 1.26, 27; [2] Gn 3.1-7; [3] Ef 4.17-19.
Artigo 2: A propagação da corrupção
Depois da queda o homem se tornou corrompido e como pai corrompido gerou filhos corrompidos [1]. Assim a corrupção, de acordo com o justo juízo de Deus, propagou-se de Adão a todos os seus descendentes [2] — à exceção de Cristo somente [3] — não por imitação, como afirmavam os antigos pelagianos, mas pela propagação de uma natureza pervertida.
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[1] Jó 14.4; Sl 51.7; [2] Rm 5.12; [3] Hb 4.15.
Artigo 3: A total incapacidade do homem
Portanto todos os homens são concebidos em pecado e nascem como filhos da ira, incapazes de qualquer bem salvador, inclinados para o mal, mortos em pecados e escravos do pecado [1]. Sem a graça do Espírito Santo [2] regenerador não desejam nem poderão retornar a Deus, nem corrigir a sua natureza depravada ou se preparar para essa correção.
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[1] Ef 2.1, 3; Jo 8.34; Rm 6.16, 17; [2] Jo 3.3-6; Tt 3.5.
Artigo 4: A insuficiência da luz da natureza
É certo que depois da queda restou no homem um pouco da luz natural pela qual ainda lhe ficou alguma noção de Deus [1], das coisas naturais, da diferença entre o honrável e o vergonhoso, e dá mostras de alguma consideração pela virtude e pela ordem exterior [2]. Mas está tão longe de chegar ao conhecimento salvador de Deus e da verdadeira conversão por meio dessa luz da natureza que nem mesmo a usa do modo apropriado nas questões naturais e civis. Antes, não importa o que seja esta luz, o homem a polui completamente de várias formas e a suprime pela sua injustiça, tornando-se assim inescusável diante de Deus [3].
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[1] Rm 1.19, 20; [2] Rm 2.14, 15; [3] Rm 1.18, 20.
Artigo 5: A insuficiência da lei
Aquilo que se afirma da luz da natureza também é válido para os Dez Mandamentos dados por Deus através de Moisés, particularmente aos judeus. Embora a lei revele a grandeza do pecado e convença cada vez mais o homem da sua culpa, ainda assim não lhe aponta a cura nem lhe dá poder para se erguer e sair das suas misérias. Antes, enfraquecida pela carne, a lei deixa o transgressor debaixo de maldição. Por essa causa, o homem não pode obter a graça salvadora através da lei [1].
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[1] Rm 3.19, 20; 7.10, 13; 8.3; 2Co 3.6, 7.
Artigo 6: A necessidade do evangelho
Portanto, aquilo que nem a luz da natureza nem a lei pode fazer, Deus realiza pelo poder do Espírito Santo através da palavra ou ministério da reconciliação [1]: o evangelho do Messias, pelo qual agradou a Deus salvar aos que crêem [2] tanto na antiga quanto da nova dispensação.
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[1] 2Co 5.18, 19; [2] 1Co 1.21.
Artigo 7: Por que o evangelho é enviado a uns e não a outros
Na velha dispensação Deus revelou a uns poucos esse mistério da sua vontade. Na nova dispensação, no entanto, ele não considerou os povos de modo diferente e o revelou a um número muito maior de pessoas [1]. Não se deve atribuir a causa dessa distribuição do evangelho ao mérito de um povo sobre o outro, nem ao melhor uso da luz da natureza, mas ao beneplácito soberano e ao amor imerecido de Deus [2]. Por essa causa, nós, a quem se concedeu uma tão grande graça, superior e contrária a tudo o que merecemos, devemos reconhecê-la de coração humilde e grato [3]. Mas, quanto àqueles a quem tal graça não é dada, devemos adorar com o apóstolo a severidade e a justiça dos juízos de Deus [4], sem de modo algum investigá-los inquisitiva e curiosamente [5].
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[1] Ef 1.9; 2:14; Cl 3.11; [2] Rm 2.11; Mt 11.26; [3] Rm 11.22, 23; [4] Ap 16.7; [5] Dt 29.29.
Artigo 8: A sincera chamada do evangelho
Tantos quantos são chamados pelo evangelho, sinceramente o são [1], pois Deus séria e sinceramente revela em sua Palavra aquilo que lhe agrada, a saber: que todos os que são chamados venham a ele [2]. Ele também promete verdadeiramente o descanso para as suas almas e a vida eterna a todo o que a ele vierem e crerem [3].
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[1] Is 55.1; Mt 22.4; [2] Ap 22.17; [3] Jo 6.37; Mt 11.28, 29.
Artigo 9: Por que alguns dos que são chamados não vêm
Não é culpa do evangelho — nem do Cristo oferecido pelo evangelho, nem de Deus, que os chama pelo evangelho e quem até mesmo lhes concede vários dons — que muitos dos que são chamados pelo ministério do evangelho não vêm nem são convertidos. A culpa está neles mesmos [1]. Alguns deles não se importam com a palavra da vida nem a aceitam. Outros de fato a recebem, mas não a aceitam em seus corações, e logo retrocedem depois que desaparece a alegria de uma fé temporária. Há ainda aqueles que sufocam a semente da Palavra com os espinhos dos cuidados e dos prazeres deste mundo e que não produzem nenhum fruto. É esse o ensino do nosso salvador na parábola da semeadura [2].
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[1] Mt 11.20-24; 22:1-8; 23:37 [2] Mt 13.
Artigo 10: Por que outros que são chamados vêm
Outros que são chamados pelo ministério do evangelho vêm e são convertidos. Não se deve atribuir isso ao homem, como se ele, por causa do seu livre-arbítrio, fosse superior àqueles que receberam graça igual ou suficiente para a fé ou conversão (como afirma a arrogante heresia de Pelágio). Deve-se atribuir isso a Deus [1], pois foi ele quem escolheu os seus em Cristo desde a eternidade e os chama eficazmente no tempo; concede-lhes a fé e o arrependimento; livra-os do poder das trevas e os transfere para o reino do seu Filho [2]. Tudo isso ele faz para que eles possam declarar os maravilhosos feitos daquele que os chamou das trevas para a sua maravilhosa luz [3], e para que não se gloriem em si mesmos, mas no Senhor [4] — segundo o testemunho dos apóstolos em diversas partes da Escritura.
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[1] Rm 9.16; [2] Cl 1.13; Gl 1.4; [3] 1Pe 2.9; [4] 1Co 1.31; 2Co 10.17; Ef 2.8, 9.
Artigo 11: Como Deus realiza a conversão
Deus realiza o seu beneplácito nos eleitos e opera neles a verdadeira conversão da seguinte maneira: Ele cuida para que o evangelho lhes seja pregado e ilumina poderosamente as suas mentes pelo Espírito Santo de sorte que possam compreender e discernir corretamente as coisas do Espírito de Deus [1]. Pela operação eficaz do mesmo Espírito regenerador, ele também penetra até os recantos mais íntimos do homem [2], abre os corações fechados e abranda os endurecidos [3], circuncida o que era incircunciso e infunde novas qualidades na vontade [4]: faz viver a vontade outrora morta; a que era má, converte em boa; a indisposta, em solícita; a rebelde, em obediente [5]. Ele muda e fortalece de tal maneira essa vontade que, assim como uma árvore boa, seja capaz de produzir o fruto das boas obras [6].
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[1] Hb 6.4, 5; 1Co 2.10-14; [2] Hb 4.12; [3] At 16.14; [4] Dt 30.6; [5] Ez 11.19; 36.26; [6] Mt 7.18.
Artigo 12: A regeneração é obra de Deus somente
Esta conversão é aquela regeneração, nova criação, ressurgir dos mortos vivificação [1], tão exaltada nas Escrituras, a qual Deus opera em nós a despeito de nós. Essa regeneração, contudo, não se realiza de modo algum pelo ensino exterior, pela persuasão moral ou por um modo tal de operação que, após ter Deus feito a sua parte, fica a critério do homem o regenerar-se ou não, o converter-se ou não. É, portanto, claramente uma obra sobrenatural, poderosíssima, e ao mesmo tempo a mais deleitosa, maravilhosa, misteriosa e indizível. Segundo a Escritura, inspirada pelo autor desta obra, a regeneração não é inferior em poder à criação ou à ressurreição dos mortos [2]. Por essa razão todos aqueles em cujos corações Deus opera desse modo maravilhoso são com certeza, infalível e eficazmente regenerados e crêem de fato [3]. A vontade assim restaurada não é apenas alvo da ação e da restauração de Deus, mas, sob o agir de Deus, ela também age. Assim, por essa causa, diz-se com justiça que o homem crê e se arrepende mediante a graça que recebeu.
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[1] Jo 3.3; 2Co 4.6; 5.17; Ef 5.14; [2] Jo 5.25; Rm 4.17; [3] Fp 2.13.
Artigo 13: A regeneração é incompreensível
Na vida presente, não é possível aos que crêem compreenderem totalmente o modo como Deus realiza esta obra. Contudo, lhes é suficiente conhecer e sentir que por essa graça de Deus eles crêem de coração e amam o seu salvador [1].
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[1] Jo 3.8; Rm 10.9.
Artigo 14: Fé: um dom de Deus
A fé, portanto, é um dom de Deus [1], não porque é apenas oferecida por Deus ao livre-arbítrio do homem, mas porque é de fato conferida ao homem, implantada e infundida nele. Também não é um dom no sentido de que Deus confere apenas a capacidade para crer, e aguarda do livre-arbítrio do homem a autorização para crer ou o ato de crer. É, antes, um dom no sentido de que é ele quem efetua no homem tanto o querer quanto o realizar [2]; quem verdadeiramente faz tudo em todos; quem realiza no homem tanto a vontade de crer quanto o ato de crer.
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[1] Ef 2.8; [2] Fp 2.13.
Artigo 15: A atitude correta quanto à graça imerecida de Deus
Deus não deve tal graça a ninguém. O que poderia Deus dever ao homem? Quem foi que primeiro deu a ele, para ser por ele ressarcido [1]? Que poderia Deus dever a quem nada tem, a não ser pecado e falsidade? Portanto, aquele que recebe essa graça deve e rende eternamente ação de graças somente a Deus. Mas quem não recebe essa graça, não tem o menor interesse por essas coisas espirituais e está satisfeito com o que possui, ou ufana-se com falsa segurança de ter aquilo que não possui [2]. Além disso, quanto aos que professam externamente a sua fé e corrigem as suas vidas devemos julgar e falar da forma mais favorável [3], segundo o exemplo dos apóstolos, pois não conhecemos o íntimo recôndito do coração; quanto aos que ainda não foram chamados, devemos orar a Deus em favor deles — pois Deus é quem chama à existência às coisas que não existem [4]; quanto a nós, não devemos jamais nos vangloriar [5], como se nos colocássemos acima dos outros.
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[1] Rm 11.35; [2] Am 6.1; Jr 7.4; [3] Rm 14.10; [4] Rm 4:17; [5] 1Co 4.7.
Artigo 16: A vontade do homem não é eliminada, mas é vivificada
O homem, pela sua queda, não deixou de ser homem dotado de inteligência e vontade. O pecado que impregnou toda a raça humana não privou o homem da sua natureza humana, mas trouxe sobre ele a depravação e a morte espiritual [1]. Assim também a graça divina da regeneração não atua sobre os homens como se fossem máquinas ou robôs; não elimina a vontade e as suas propriedades, nem a coage violentamente, mas torna-a espiritualmente viva, sara-a, corrige-a e, a um só tempo agradável e poderosamente, submete-a [2]. O resultado é que onde antes dominava totalmente a rebelião e a resistência da carne, agora, pelo Espírito, começa a prevalecer uma pronta e sincera obediência, que é a verdadeira renovação e libertação espiritual da nossa vontade. E se o Maravilhoso Autor de todo o bem não tivesse nos conduzido dessa maneira, o homem não teria a menor esperança de erguer-se da sua queda mediante o seu livre-arbítrio, o qual, quando ela ainda estava de pé, o lançou na perdição.
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[1] Rm 8.2; Ef 2.1; [2] Sl 51.12; Fp 2.13.
Artigo 17: O uso dos meios
A ação onipotente de Deus pela qual ele produz e sustenta a nossa vida natural, não exclui, antes requer, o uso de meios através dos quais ele quis exercer o seu poder [1], segundo a sua infinita sabedoria e bondade. Assim também a mencionada ação sobrenatural de Deus mediante a qual ele nos regenera [2], não exclui nem cancela de jeito nenhum o uso do evangelho que o sapientíssimo Deus ordenou para ser a semente da regeneração e o alimento da alma [3]. Por esta razão os apóstolos e os mestres que os sucederam ensinaram reverentemente ao povo sobre a graça de Deus, para a glória dele e para a vergonha de toda a soberba. Ao mesmo tempo, não descuidaram de guardar o povo por meio das santas admoestações do evangelho, debaixo da administração da Palavra, dos sacramentos e da disciplina [4]. Portanto, os que hoje instruem ou são instruídos na igreja não devem ousar tentar a Deus separando aquilo que ele pelo seu beneplácito quis unir inseparavelmente. Assim, a graça é concedida mediante admoestações [5], e quanto mais prontamente cumprirmos com o nosso dever, tanto mais esse favor de Deus, que é quem opera em nós, manifesta-se naturalmente em sua glória fazendo a sua obra prosperar da melhor maneira. A Deus somente seja dada a glória eternamente, tanto pelos meios quanto pelos seus frutos e eficácia da salvação [6]. Amém.
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[1] Is 55.10, 11; 1Co 1.21; [2] Tg 1.18; [3] 1Pe 1.23, 25; 2.2; [4] At 2.42; 2Co 5.11-21; 2Tm 4.2; [5] Rm 10.14-17; [6] Jd 24, 25.
Rejeição de erros
Depois de haver explanado a verdadeira doutrina da corrupção do homem e a sua conversão a Deus, o Sínodo rejeita os seguintes erros:
Erro 1: É impróprio dizer que o pecado original em si seja suficiente para condenar toda a raça humana ou para merecer castigo temporal e eterno.
Refutação: Isso contradiz as palavras do apóstolo quando ele declara: “Portanto, assim como por um só homem entrou o pecado no mundo, e pelo pecado, a morte, assim também a morte passou a todos os homens, porque todos pecaram” (Rm 5.12). E no versículo 16: “o julgamento derivou de uma só ofensa, para a condenação”. Também em Romanos 6.23: “o salário do pecado é a morte”.
Erro 2: Os dons espirituais ou as boas qualidades e virtudes — tais como a bondade, a santidade e a justiça — não podiam fazer parte da vontade do homem quando no princípio foi criado, e por isso não podiam ser separadas da sua vontade quando ele caiu.
Refutação: Este erro é contrário à descrição da imagem de Deus que o apóstolo dá em Efésios 4.24, ao associá-la à justiça e à santidade, as quais pertencem — sem a menor dúvida — à vontade.
Erro 3: Na morte espiritual os dons espirituais não se separam da vontade do homem, porque a vontade em si jamais se corrompeu, estando apenas impedida pela escuridão da mente e o descontrole das paixões. Se esses obstáculos forem removidos a vontade poderá exercitar toda a sua capacidade inata. A vontade é em si mesma capaz de querer e de escolher, ou não, todo tipo de bem que lhe for apresentado.
Refutação: Isso é uma inovação e um erro que tende a exaltar a capacidade do livre-arbítrio, contrário àquilo que o profeta Jeremias declara no capítulo 17.9: “Enganoso é remias o coração, mais do que todas as coisas, e desesperadamente corrupto”. E contrário ao que Paulo escreveu em : “entre os quais (os filhos da ira) também todos nós andamos outrora, segundo as inclinações da nossa carne, fazendo a vontade da carne e dos pensamentos” (Ef 2.3).
Erro 4: O homem não-regenerado não está realmente nem completamente morto em pecados, nem privado de toda capacidade para realizar o bem espiritual. Ele ainda é capaz de sentir fome e sede de justiça e de vida, e de oferecer o sacrifício de um espírito contrito e quebrantado que agrada a Deus.
Refutação: Essas declarações conflitam com o claro testemunho da Escritura: “Ele vos deu vida, estando vós mortos nos vossos delitos e pecados” (Ef 2.1, 5). E: “era continuamente mau todo desígnio do coração do homem” (Gn 6.5; 8.21). Além disso, somente os regenerados e os bem-aventurados é que têm fome e sede de libertação da miséria e da vida, e oferecem a Deus o sacrifício de um espírito quebrantado (Sl 51.19; Mt 5.6).
Erro 5: O homem corrompido e natural bem pode usar da graça comum (que para os arminianos é a luz da natureza) ou dos dons ainda remanescentes nele depois da queda, e pode conquistar gradualmente pelo bom uso que faz deles uma graça maior, isto é, a graça evangélica ou salvadora, e a salvação em si mesma. Deste modo, Deus, por sua vez, mostra-se pronto a revelar Cristo a todo homem, porque a todos ele administra, suficiente e eficazmente, os meios necessários para que conheçam a Cristo, pela fé e arrependimento.
Refutação: Não apenas a experiência de todas as eras mas também a Escritura testifica que isso é falso. “Mostra a sua palavra a Jacó, as suas leis e os seus preceitos, a Israel. Não fez assim a nenhuma outra nação; todas ignoram os seus preceitos” (Sl 147.19, 20). “o qual, nas gerações passadas, permitiu que todos os povos andassem nos seus próprios caminhos” (At 14.16). E Paulo e os seus companheiros foram “impedidos pelo Espírito Santo de pregar a palavra na Ásia, defrontando Mísia, tentavam ir para Bitínia, mas o Espírito de Jesus não o permitiu” (At 16.6, 7).
Erro 6: Na verdadeira conversão do homem, Deus não pode lhe infundir na vontade nenhuma nova natureza, capacidade ou dom. Por causa disso a fé, pela qual somos convertidos a princípio e por que somos chamados de crentes, não é uma qualidade nem um dom concedido por Deus, mas apenas um ato do homem. Não pode ser chamada de dom, exceto se for quanto à capacidade de se alcançar essa fé.
Refutação: Esse ensino contradiz as Sagradas Escrituras que declaram que Deus infunde as novas naturezas da fé, da obediência e da consciência do seu amor em nossos corações: “Na mente, lhes imprimirei as minhas leis, também no coração lhas inscreverei” (Jr 31.33). E: “derramarei água sobre o sedento e torrentes, sobre a terra seca” (Is 44.3). E: “o amor de Deus é derramado em nosso coração pelo Espírito Santo, que nos foi outorgado” (Rm 5.5). Isso também conflita com a prática permanente da igreja, que ora pela boca do profeta: “converte-me, e serei convertido” (Jr 31.18).
Erro 7: A graça pela qual somos convertidos a Deus não passa de um aviso gentil. Esse modo de avisar é o mais nobre modo do homem se converter e está em máxima harmonia com a sua natureza. Não há razão para que tal graça persuasiva não seja suficiente para tornar espiritual o homem natural. Na verdade, Deus não opera o consentimento da vontade senão mediante essa persuasão moral. O poder da operação divina é superior à operação de Satanás, pois Deus promete bens eternos, e Satanás apenas bens temporais.
Refutação: Isso é pelagianismo puro e contrário a toda a Escritura, a qual ensina, além dessa persuasão moral, um outro modo mais poderoso e divino de ação do Espírito Santo na conversão do homem: “Dar-vos-ei coração novo e porei dentro de vós espírito novo; tirarei de vós o coração de pedra e vos darei coração de carne” (Ez 36.26).
Erro 8: Na regeneração do homem Deus não faz uso dos poderes da sua onipotência para, de modo forçoso e infalível, submeter a vontade humana à fé e à conversão. Ainda que sejam consumadas todas as obras da graça que Deus emprega para converter o homem, ainda que Deus tenha a intenção e a vontade de regenerar o homem, mesmo assim, ele ainda poderá resistir a Deus e ao Espírito Santo — e de fato assim o faz geralmente — de modo a impedir completamente a sua regeneração. Portanto, ainda está no poder do homem ser ou não regenerado.
Refutação: Isso não é outra coisa senão negar toda a eficácia da graça de Deus na nossa conversão, e sujeitar a ação do Deus Onipotente à vontade do homem. É contrário aos apóstolos que ensinam “que cremos, segundo a eficácia da força do seu poder” (Ef 1.19), que oram “para que o nosso Deus vos torne dignos da sua vocação e cumpra com poder todo propósito de bondade e obra de fé” (2Ts 1.11), e declaram que “pelo seu divino poder, nos têm sido doadas todas as coisas que conduzem à vida e à piedade” (2Pe 1.3).
Erro 9: A graça e o livre-arbítrio são causas parciais que operam juntamente o começo da conversão. A graça não vem antes da atuação da vontade, na ordem sequencial dessas causas. Deus não auxilia eficazmente a vontade do homem para que chegue à conversão, senão até que essa vontade se mobilize e determine fazê-lo.
Refutação: A igreja antiga há muito condenou essa doutrina dos pelagianos conforme as palavras do apóstolo: “Assim, pois, não depende de quem quer ou de quem corre, mas de usar Deus a sua misericórdia” (Rm 9.16). Também: “Pois quem é que te faz sobressair? E que tens tu que não tenhas recebido?” (1Co 4.7). E ainda: “porque Deus é quem efetua em vós tanto o querer como o realizar, segundo a sua boa vontade” (Fp 2.13).
Quinto Capítulo da Doutrina: A perseverança dos santos
Artigo 1: Os regenerados não estão livres do pecado interior
Aqueles que, de acordo com o seu propósito, Deus chama à comunhão do seu Filho, nosso Senhor Jesus Cristo, e regenera pelo seu Espírito Santo, ele certamente os livra do domínio e da escravidão do pecado [1]. Mas nesta vida, ele não os livra totalmente da carne e do corpo do pecado [2].
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[1] Jo 8.34; Rm 6.17; [2] Rm 7.21-24.
Artigo 2: Os pecados diários da fraqueza
Por essa causa ocorrem os pecados diários das fraquezas e há imperfeições até mesmo nas melhores obras dos santos [1]. Para eles essas coisas são motivo permanente para se humilharem diante de Deus, para se refugiarem no Cristo crucificado, para mortificarem a carne cada vez mais mediante o Espírito de oração e através de santos exercícios de piedade [2], e para ansiarem e se esforçarem pelo alvo da perfeição [3] até que finalmente, livres do corpo desta morte, reinem com o Cordeiro de Deus no céu [4].
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[1] 1Jo 1.8; [2] Cl 3.5; [3] 1Tm 4.7; Fp 3.12, 14; [4] Ap 5.6, 10.
Artigo 3: Deus preserva os que são seus
Por causa desses resquícios do pecado que ainda restam no íntimo e também por causa das tentações do mundo e de Satanás, os convertidos não conseguiriam perseverar nessa graça se deixados às suas próprias forças [1]. Mas Deus é fiel e os confirma misericordiosamente na graça que, de uma vez por todas, lhes foi outorgada e os preserva poderosamente nela até o fim [2].
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[1] Rm 7.20; [2] 1Co 10.13; 1Pe 1.5.
Artigo 4: Os santos estão sujeitos a cair em pecados graves
Embora o poder de Deus, pelo qual ele confirma e preserva os verdadeiros crentes na graça, seja tão grande que não pode ser vencido pela carne [1], os convertidos, contudo, nem sempre são guiados e dirigidos por Deus de sorte que não possam, em certas circunstâncias particulares e pela própria culpa deles, se desviar da direção da graça e serem seduzidos pela carne e se rendam à sua concupiscência. Por isso eles devem orar e vigiar constantemente para que não caiam em tentação [2]. Quando não vigiam nem oram [3], eles não somente podem ser levados — pela carne, pelo mundo e por Satanás — a cometer sérios e atrozes pecados, mas, algumas vezes, podem ser levados a isso pela justa permissão de Deus. É o que demonstra a lastimável queda de Davi, de Pedro e de outros santos, descritas nas Escrituras [4].
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[1] Ef 1.19; [2] Mt 26.41; [3] 1Ts 5.6, 17; [4] 2Sm 11; Mt 26.
Artigo 5: As consequências desses graves pecados
Eles, no entanto, por causa desses pecados grosseiros ofendem profundamente a Deus, tornam-se culpados de morte, entristecem o Espírito Santo, suspendem o exercício da fé, ferem gravemente as suas consciências, e algumas vezes perdem o senso do favor de Deus [1] — até que voltem ao reto caminho sinceramente arrependidos e a face paternal de Deus volte a brilhar sobre eles [2].
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[1] 2Sm 12; Ef 4.30; [2] Sl 32.3-5; Nm 6.25.
Artigo 6: Deus não permitirá que os seus eleitos se percam
Pois Deus, que é rico em misericórdia [1], segundo o seu propósito imutável de eleição [2], não retira completamente o seu Espírito Santo dos que lhe pertencem, mesmo na sua deplorável queda [3]. Tampouco permite que se afundem tanto a ponto de caírem da graça da adoção e do estado de justificação [4] ou, que cometam o pecado para a morte [5] — isto é, o pecado contra o Espírito Santo [6] — e que, totalmente abandonados por Ele, se lancem na ruína eterna.
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[1] Ef 2.4; [2] Ef 1.11; [3] Sl 51.13; [4] Gl 4.5; [5] 1Jo 5.16-18; [6] Mt 12.31, 32.
Artigo 7: Deus renovará os seus eleitos para o arrependimento
Pois Deus, em primeiro lugar, preserva neles durante a queda, a sua semente imperecível de regeneração para que ela não morra e seja lançada fora [1]. Além disso, através da sua Palavra e do seu Espírito ele certamente e eficazmente os renova para o arrependimento [2]. O resultado é que se afligem de coração com uma tristeza espiritual pelos pecados que cometeram [3]; buscam e obtém pela fé, com o coração contrito, o perdão no sangue do mediador; experimentam novamente o favor de um Deus reconciliado e adoram as suas misericórdias e fidelidade [4]; daí em diante passam a desenvolver mais diligentemente a própria salvação com temor e tremor [5].
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[1] 1Pe 1.23; [2] 1Jo 3.9; [3] 2Co 7.10; [4] Sl 32.5; 51.19; [5] Fp 2.12.
Artigo 8: A graça do triúno Deus preserva
Assim, não é pelos seus próprios méritos ou força, mas pela imerecida misericórdia de Deus, que eles não se desviam totalmente da fé e da graça nem permanecem caídos para se perderem totalmente no final. Quanto a eles, isto facilmente poderia acontecer e aconteceria sem dúvida. Mas quanto a Deus, não há a menor possibilidade de que isso aconteça, pois o seu conselho não pode ser mudado [1]; a sua promessa não pode falhar; o chamado segundo o seu propósito não pode ser revogado [2]; o mérito, a intercessão e a proteção de Cristo não podem ser anuladas [3]; e o selar do Espírito Santo não pode ser frustrado nem destruído [4].
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[1] Sl 33.11; [2] Hb 6.17; Rm 8.30, 34; 9.11; [3] Lc 22.32; [4] Ef 1.13.
Artigo 9: A certeza dessa preservação
Os próprios crentes podem ter a plena certeza da preservação do eleito para a salvação e da perseverança dos verdadeiros crentes na fé [1]. E estão de fato convictos segundo a medida da fé de cada um deles [2], pela qual crêem firmemente que são e que permanecerão membros verdadeiros e vivos da igreja e que possuem o perdão dos pecados e a vida eterna [3].
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[1] Rm 8.31-39; [2] 2Tm 4.8; [3] 2Tm 4.18.
Artigo 10: A fonte dessa certeza
Tal certeza não procede de alguma revelação particular além ou fora da Palavra, mas da fé nas promessas de Deus, que ele revelou abundantemente em sua Palavra para a nossa consolação; procede do testemunho do Espírito Santo que testifica com o nosso espírito que somos filhos e herdeiros de Deus [1]; e finalmente, da busca incessante e séria por uma consciência limpa e de boas obras [2]. Se os eleitos de Deus não tivessem neste mundo a sólida consolação da obtenção da vitória [3] e da garantia infalível da glória eterna, eles seriam os mais miseráveis de todos os homens [4].
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[1] Rm 8.16-17; 1Jo 3.1, 2; [2] At 24.16; [3] Rm 8.37; [4] 1Co 15.19.
Artigo 11: Nem sempre se sente esta certeza
A Escritura, no entanto, testifica que os crentes enquanto nesta vida têm que lutar contra várias dúvidas da carne e, sujeitos a fortes tentações, nem sempre sentem essa segurança da fé nem a certeza da perseverança. Mas Deus, que é o Pai de toda a consolação [1], não permitirá que sejam tentados além das suas forças, mas com a tentação proverá também o meio de escape, e pelo Espírito Santo fará ressurgir neles a certeza da perseverança [2].
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[1] 2Co 1.3; [2] 1Co 10.13.
Artigo 12: Esta certeza é um estímulo à piedade
Esta certeza de perseverança, longe de tornar os crentes verdadeiros em orgulhosos e acomodados, é antes a verdadeira raiz da humildade, da reverência filial [1], da piedade genuína, da resistência em todo combate, das orações fervorosas, da perseverança no sofrimento e na confissão da verdade, e da duradoura alegria em Deus [2]. Além disso, a reflexão sobre esses benefícios é para eles um incentivo à séria e constante prática da gratidão e das boas obras [3], como evidencia o testemunho da Escritura e os exemplos dos santos.
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[1] Rm 12.1; [2] Sl 56.12, 13; [3] Sl 116.12; Tt 2.11-14; 1Jo 3.3.
Artigo 13: Esta certeza não leva à negligência
A confiança renovada não leva aqueles que foram restaurados, depois de haverem caído [1], à falta de zelo nem à negligência da piedade; antes produz neles um cuidado ainda maior em observar os caminhos do Senhor, que ele preparou de antemão [2]. Eles guardam esses caminhos para que ao andar neles conservem a certeza da sua própria perseverança; para que a face do seu Deus gracioso não se retire deles mais uma vez [3], por abusarem da sua bondade paternal; para não caírem em maior angústia espiritual. De fato, para os que temem a Deus a contemplação da sua face é mais doce do que a vida, e o privar-se dela é mais amargo do que a morte [4].
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[1] 2Co 7.10; [2] Ef 2.10; [3] Sl 63.4; Is 64.7; [4] Jr 33.5.
Artigo 14: O uso dos meios de graça na perseverança
Assim como aprouve a Deus começar essa obra de graça em nós pela pregação do evangelho, assim ele a mantém, ele a continua e ele a aperfeiçoa em nós pelo ouvir e pela leitura da sua Palavra [1], pela meditação nela, pelas suas exortações, ameaças e promessas [2], e pelo uso dos sacramentos [3].
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[1] Dt 6.20-25; [2] 2Tm 3.16, 17; [3] At 2.42.
Artigo 15: Esta doutrina é odiada por Satanás, mas é amada pela igreja
Esta doutrina da perseverança dos verdadeiros crentes e santos, assim como a convicção que têm dela [1], Deus revelou abundantemente em sua Palavra para a glória do seu nome e consolação dos piedosos. Ele é quem a imprime nos corações dos crentes. É algo que a carne não compreende, que Satanás odeia, que o mundo zomba, que os ignorantes e os hipócritas ultrajam e que os heréticos atacam. A Noiva de Cristo, por outro lado, sempre amou mui eternamente esta doutrina e sempre a defendeu firmemente como a um tesouro de valor inestimável [2]; e Deus, contra quem não vale conselho nem força alguma prevalece [3], cuidará para que ela continue a fazer assim. A esse Deus somente — Pai, Filho e Espírito Santo — seja a honra e a glória para sempre. Amém [4].
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[1] Ap 14.12; [2] Ef 5.32; [3] Sl 33.10, 11; [4] 1Pe 5.10, 11.
Rejeição de erros
Depois de haver explanado a verdadeira doutrina da perseverança dos santos, o Sínodo rejeita os seguintes erros:
Erro 1: A perseverança dos verdadeiros crentes não é fruto da eleição nem um dom de Deus obtido pela morte de Cristo, mas é uma condição da nova aliança que o homem tem a obrigação de cumprir pelo seu livre-arbítrio antes da sua assim chamada eleição e justificação decisivas.
Refutação: A Sagrada Escritura testifica que a perseverança segue-se à eleição e é concedida ao eleito pela virtude da morte, ressurreição e intercessão de Cristo: “mas a eleição o alcançou; e os mais foram endurecidos” (Rm 11.7). E também: “Aquele que não poupou o seu próprio Filho, antes, por todos nós o entregou, porventura, não nos dará graciosamente com ele todas as coisas? Quem intentará acusação contra os eleitos de Deus? É Deus quem os justifica. Quem os condenará? É Cristo Jesus quem morreu ou, antes, quem ressuscitou, o qual está à direita de Deus e também intercede por nós. Quem nos separará do amor de Cristo?” (Rm 8.32-35).
Erro 2: Deus verdadeiramente supri o crente de força suficiente para perseverar, e está pronto para preservá-la nele se ele cumprir suas obrigações. Mas mesmo estando prontas todas aquelas coisas necessárias à perseverança na fé, e que Deus usará para preservar a fé, ainda assim sempre depende do arbítrio do homem perseverar, ou não, na fé.
Refutação: Tal idéia é pelagianismo puro e simples. Embora pretenda tornar os homens livres, ela os torna ladrões da honra de Deus. Ela conflita com o coerente ensinamento do evangelho que retira do homem todo motivo de vanglória e atribui todo o mérito desse benefício somente à graça de Deus. Ela é também contrária ao testemunho do apóstolo: É Deus quem “também vos confirmará até ao fim, para serdes irrepreensíveis no Dia de nosso Senhor Jesus Cristo” (1Co 1.8).
Erro 3: Os crentes verdadeiramente regenerados não apenas podem cair completa e definitivamente da fé justificadora, e também da graça e da salvação, como de fato não raramente caem e se perdem eternamente.
Refutação: Essa opinião anula a graça da justificação e da regeneração e da sua contínua preservação por meio de Cristo, e contraria as palavras claras do apóstolo Paulo: “Mas Deus prova o seu próprio amor para conosco pelo fato de ter Cristo morrido por nós, sendo nós ainda pecadores. Logo, muito mais agora, sendo justificados pelo seu sangue, seremos por ele salvos da ira” (Rm 5.8, 9); contraria o apóstolo João: “Todo aquele que é nascido de Deus não vive na prática de pecado; pois o que permanece nele é a divina semente; ora, esse não pode viver pecando, porque é nascido de Deus” (1Jo 3.9); e contraria também as palavras de Jesus Cristo: “Eu lhes dou a vida eterna; jamais perecerão, e ninguém as arrebatará da minha mão. Aquilo que meu Pai me deu é maior do que tudo; e da mão do Pai ninguém pode arrebatar” (Jo 10.28, 29).
Erro 4: Crentes verdadeiramente regenerados podem cometer o pecado que leva à morte, isto é, o pecado contra o Espírito Santo.
Refutação: O mesmo apóstolo João, depois de haver falado daqueles que cometem o pecado que leva à morte e de proibir que se ore por eles (1Jo 5.16-17), acrescenta imediatamente (v.18): “Sabemos que todo aquele que é nascido de Deus não vive em pecado (isto é, neste tipo específico de pecado); antes, Aquele que nasceu de Deus o guarda, e o Maligno não lhe toca”.
Erro 5: Sem uma revelação especial, jamais podemos ter nesta vida a certeza da perseverança futura.
Refutação: Essa doutrina arranca nesta vida a segurança consoladora dos verdadeiros crentes, e introduz novamente na igreja as dúvidas dos seguidores do Papa. As Sagradas Escrituras, no entanto, deduzem sempre esta certeza, não de uma revelação extraordinária e especial, mas das marcas peculiares dos filhos de Deus e das inabaláveis promessas de Deus. Assim o apóstolo Paulo declara especialmente que nada em toda a criação “poderá separar-nos do amor de Deus, que está em Cristo Jesus, nosso Senhor” (Rm 8.39). E João escreve: “aquele que guarda os seus mandamentos permanece em Deus, e Deus, nele. E nisto conhecemos que ele permanece em nós, pelo Espírito que nos deu” (1Jo 3.24).
Erro 6: Pela sua própria natureza a doutrina da certeza da perseverança e da salvação causa falsa segurança e é prejudicial à piedade, à moral, à oração, e a todos os outros santos exercícios. Antes, pelo contrário, é louvável duvidar dessa certeza.
Refutação: Este erro desconhece o poder eficaz da graça de Deus e a operação do Espírito Santo que habita em nós. Ele contradiz o apóstolo João que ensina o oposto com essas palavras explícitas: “Amados, agora, somos filhos de Deus, e ainda não se manifestou o que haveremos de ser. Sabemos que, quando ele se manifestar, seremos semelhantes a ele, porque haveremos de vê-lo como ele é. E a si mesmo se purifica todo o que nele tem esta esperança, assim como ele é puro” (1Jo 3.2, 3). Além disso, esse erro é refutado pelo exemplo dos santos, tanto do Velho quanto do Novo Testamentos, que, embora convictos da sua perseverança e salvação, não obstante continuaram em oração e em outros exercícios de piedade.
Erro 7: A fé daqueles que creram apenas por um tempo não difere da fé justificadora e salvadora, senão quanto à sua duração.
Refutação: O próprio Cristo em Mateus 13.20-23 e Lucas 8.13-15 aponta explicitamente, além dessa duração, uma tripla diferença entre os que crêem apenas por um momento e os verdadeiros crentes. Ele declara que aqueles receberam a semente em solo rochoso, e que estes a receberam em solo bom; que aqueles não possuem raízes, mas que estes possuem uma raiz bem firme; que aqueles não possuem frutos, mas que estes os produzem em várias medidas, constante e firmemente.
Erro 8: Não é absurdo que alguém, tendo perdido a sua primeira regeneração, seja novamente e até frequentemente nascido de novo.
Refutação: Essa doutrina nega que a semente de Deus, pela qual nascemos de novo, seja imperecível, e contraria o testemunho do apóstolo Pedro: “pois fostes regenerados não de semente corruptível, mas de incorruptível” (1Pe 1.23).
Erro 9: Cristo jamais orou em nenhuma parte para que os crentes perseverassem infalivelmente na fé.
Refutação: Isso contradiz o próprio Cristo, que disse: “Eu, porém, roguei por ti (Simão), para que a tua fé não desfaleça” (Lc 22.32). Também contraria o apóstolo João o qual declara que Cristo não orou apenas pelos apóstolos, mas também por todos aqueles que viessem a crer pela palavra deles: “Pai santo, guarda-os em teu nome”, e: “Não peço que os tires do mundo, e sim que os guardes do mal” (Jo 17.11, 15, 20).
Conclusão
Esta é a declaração clara, simples e sincera da doutrina ortodoxa quanto aos Cinco Artigos de Fé disputados nos Países Baixos; e esta é a rejeição dos erros pelos quais as igrejas foram perturbadas, por algum tempo. O Sínodo julga que as presentes declarações e rejeições estão de acordo com a Palavra de Deus e com as confissões das Igrejas Reformadas. Tornando-se, por isso, evidente que alguns agiram de modo demasiado imprópria e contrário a toda a verdade, equidade e amor, desejando persuadir o povo do seguinte:
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Que a doutrina das Igrejas Reformadas no tocante à predestinação e aos demais pontos relacionados a ela, por seu caráter e tendência, desvia os corações dos homens de toda a piedade e religião;
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Que ela é um ópio para a carne, ministrado pelo diabo, bem como uma fortaleza para Satanás onde, à espreita de todos, fere multidões e atinge mortalmente a muitos com os dardos tanto do desespero quanto da falsa segurança;
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Que faz de Deus o autor do pecado e um tirano injusto e hipócrita; e que nada é senão um renovado estoicismo, maniqueísmo, libertinismo e islamismo;
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Que leva à negligência espiritual ao fazer as pessoas crerem que nada pode impedir a salvação dos eleitos, não importando como vivam, e que, por essa causa, eles podem cometer em segurança os crimes mais atrozes. Por outro lado, ela nada pode fazer em favor da salvação dos reprovados, nem mesmo que eles tivessem realizado todas as obras dos santos;
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Que a mesma doutrina ensina que Deus predestinou e criou a maior parte da humanidade para a condenação eterna, por um mero ato arbitrário da sua vontade, sem levar em consideração nenhum pecado;
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Que da mesma maneira por que a eleição é a fonte e a causa da fé e das boas obras, a reprovação é a causa da incredulidade e da impiedade;
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Que muitos filhos inocentes de pais crentes são arrancados do seio de suas mães e lançados de modo tirânico no inferno, de tal sorte que nem o sangue de Cristo, nem o batismo, nem as orações da igreja no ato do batismo lhes podem ser de qualquer proveito.
E ainda há muitos outros ensinamentos desse tipo que as Igrejas Reformadas não apenas não confessam mas que até mesmo detestam de todo o coração.
Este Sínodo de Dort, portanto, conclama em nome do Senhor a todos quantos piedosamente invocam o nosso salvador Jesus Cristo, que não julguem a fé das Igrejas Reformadas a partir de calúnias ajuntadas daqui e dali; nem tampouco pelas declarações pessoais de alguns mestres, modernos ou antigos, muitas vezes citados em má-fé, ou tirados do contexto e explicados de modo contrário ao seu verdadeiro sentido. Mas deve-se julgar a fé das Igrejas Reformadas pelas Confissões públicas dessas igrejas e pela presente explanação da doutrina ortodoxa, confirmada pelo consenso unânime e individual dos membros de todo o Sínodo. Além disso, o Sínodo adverte aos próprios caluniadores que considerem quão severo é o julgamento de Deus que aguarda aos que dão falso testemunho contra tantas igrejas e suas Confissões, que conturbam a consciência dos fracos e que tentam colocar sob suspeita, aos olhos de muitos, a comunidade dos verdadeiros crentes.
Finalmente, este Sínodo exorta a todos os co-ministros do evangelho de Cristo a se conduzirem em santo temor e reverência diante de Deus quando lidarem com esta doutrina em escolas e igrejas. Que ao ensiná-la, tanto pela palavra falada quanto escrita, devem procurar a glória do nome de Deus, a santidade de vida e a consolação das almas aflitas. Seus pensamentos e palavras sobre a doutrina devem estar em concordância com a Escritura, segundo a analogia da fé. E devem se abster de usar todas aquelas expressões que ultrapassam os limites do verdadeiro sentido das Escrituras Sagradas para não dar aos frívolos sofistas uma boa oportunidade de caluniar ou zombar da doutrina das Igrejas Reformadas.
Que o Senhor Jesus Cristo, o Filho de Deus, que está assentado à destra do Pai e concede os seus dons aos homens, nos santifique na verdade; que ele traga à verdade os que dela se desviaram; que silencie os caluniadores da sã doutrina e supra os fiéis ministros da sua Palavra com o Espírito de sabedoria e discernimento, para que tudo aquilo que falarem seja para a glória de Deus e a edificação dos seus ouvintes. Amém.
Texto preparado com base em “Os Cânones de Dort”, em: As três formas de unidade das igrejas reformadas, 3ª ed. rev., trad. Marcos Vasconcelos (Recife: CLIRE, 2017), p. 115-161.